2/27/2006

Fiadasputa!


Até que um dia chega às locadoras o interessantíssimo Nascidos em Bordéis, documentário que venceu o Oscar da categoria há dois anos, já, batendo pesos-pesados como Super Size Me e Camelos não Choram. Numa decisão muito corajosa, a diretora Zana Briski mostra que a beleza é capaz de brotar dos lugares mais feios e inesperados - neste caso o Bairro Vermelho, distrito da zona mais miserável de Calcutá, onde filhos de prostitutas convivem em harmonia (bom, nem tanta assim) com suas mães. A fotógrafa-cineasta resolve dar uma câmera a cada um dos guris para saírem clicando por aí, e o resultado surpreende tanto que alguns deles passam a receber convites para exporem em outros países. As intenções dos realizadores são as melhores possíveis, mas o ar 'manipulamoore' quase compromete o resultado final (como as caras de "dever cumprido" de Zana após matricular a gurizada na escola, ou levando-as para conhecerem a praia). Bela experiência, porém. Nota 8.

No fone: The Coral - "Far from the Crowd"

Trashes

Nestes tempos sombrios de Carnavaids, seria muito bom que todos esses foliões de merda vissem Calafrios (Shivers, 1975). O sempre profético Cronenberg estreava na telona já anunciando a mortal síndrome de DST que atingiria o mundo nas décadas seguintes. Saca só o esquema: parasitas contagiosos transformam pessoas comuns em maníacas sexuais. Yeah! Nojeira escancarada sim, mas um baita exemplo de cinema raçudo, criativo e que sabe driblar essa coisa chata chamada escassez de recursos. Dê-lhe, que te dê-lhe. Nota 7,5.

Mas fundo de quintal mesmo é A Pequena Loja dos Horrores. Não o remake com Steve Martin e Rick Moranis nos 80's, e sim o original de 1960 (que também virou musical da Broadway). Produzido com o toque de Midas de Roger Corman, esse terrir certamente não foi feito pra ganhar prêmios mundo afora. Sabe aqueles programas tipo A Praça é Nossa, em que os atores estão a um passo de cair na risada? É mais ou menos assim, a coisa. Atenção à participação de um cabeludo, e já careteiro, Jack Nicholson. Nota 7.

No fone: Black Rebel Motorcycle Club - "Howl"

2/24/2006

Clint! Clintêêê! Clint!!!

Filme feio esse Crash. Não consigo entender tanta badalação em torno duma coisa tão pedante, maçante e muito, mas muito carente de sutileza. Isso que o roteirista Paul Haggis (que estréia também na direção) escolheu falar sobre racismo, um tema que ainda merece a atenção do Cinema. Quando tudo acaba, fica difícil imaginar que esse mesmo cara escreveu aquela obra-prima da delicadeza chamada Million Dollar Baby.
Sinal de que o deve fazer um filme é mesmo a direção. Esse aqui perde as estribeiras desde o início: tudo é irregular, desde os atores (para cada Don Cheadle e Terrence Howard, temos os sofríveis Sandra Bullock e Ryan Phillipe) até o (mau) aproveitamento do roteiro (a metragem é curta e nenhum personagem é aprofundado, e há algumas cenas bem acabadas, como o resgate da Thandie Newton, convivendo com outras bem sem-vergonhas, em especial a breguíssima confissão da Sandra à empregada chicana). Haggis tem a mão leve como a de um rinoceronte africano, verdade, porém manja de diálogos e tem potencial pra criar umas seqüências razoavelmente tensas.
Mas poxa... finalista ao Oscar? E os estupendos Magnólia e Short Cuts, que visivelmente serviram como fonte de "inspiração" para Haggis e foram solenemente ignorados pela Acadimia à época? É... peguei nojo. Nota 6,5.

No fone: Pixies - "Debaser"

2/17/2006

Make 'em Laugh



Nota 10.

No fone: Massacration - "Metal is the Law"

2/16/2006

Dark Walter

Depois do fantástico Diários de Motocicleta Walter Salles podia fazer qualquer coisa, menos a enésima refilmagem de um terror japonês. Mas não é que Água Negra ficou bem bacaninha? Também, olha só o elenco: John C.Reilly, Pete Posthlewaite, Tim Roth... Só tá na hora de a Jennifer Connelly parar com esses papéis chororôs. Não que ela esteja ruim, mas é que um dia a gente cansa. Nota 7,5.

No fone: Easy Star All-Stars - "Money"

Sr. & Sra. Pitt

Já vi bem piores que Sr. & Sra. Smith. Trabucos e bazucas em cenas de ação mezzo John Woo mezzo Doom (o jogo), atores binitos e perfeitamente fotografados, algumas boas sacadas (como o figurante de camiseta do Clube da Luta). Doug Liman pegou gosto pela coisa - mas parece que não viu o sensacional True Lies, feito há pouco mais de dez anos. Realmente, Hollywood sofre de amnésia crônica. Nota 7.

No fone: Easy Star All-Stars - "The Great Gig in the Sky"

2/15/2006

Cabeça de Jarra

Cada vez mais me convenço de que a grande cabeça pensante por trás de Beleza Americana foi mesmo o roteirista Alan Ball. Sam Mendes teve seus momentos em Estrada para Perdição e Soldado Anônimo, mas nenhum desses longas posteriores do diretor trouxe uma fagulha sequer da genialidade do, para a Academia, melhor filme de 1999. Já Six Feet Under, outra recente criação de Ball, é uma obra-prima da televisão mundial. E tenho dito. Nota 7.

No fone: Garbage - "I'm Only Happy When It Rains"

2/14/2006

Sparrow!

Estreei no mundo pirata. Óbvio que nada se compara à sensação de entrar numa baita sala e cronometrar no celular para que as luzes se apaguem e comece logo a magia. Mas morar num dos muitos confins do universo provoca em nós, cinéfilos, um vazio existencial muito, mas muito maior que nas pessoas ditas comuns. É uma espera sem fim. E literalmente, porque JAMAIS teremos a chance de conferir na telona muita coisa boa que estreou em circuito nacional. Se nós rio-grandinos fomos privados de ver no escurinho, por exemplo, um Chicago (que levou o Oscar de melhor filme, para se ter uma idéia!), imagine então como é que ficam os independentes norte-americanos, os chineses, espanhóis, argentinos... No computador, a gente faz a nossa programação. De maneira ilícita, mas faz.

Flores Partidas é uma delícia, como diria um amigo meu. Simplesmente não dá pra segurar o riso quando o Bill Murray entra em cena. E o elenco feminino é um tesão: Sharon Stone, Jessica Lange, Tilda Swinton, Chloë Sevigny, Frances Conroy e Julie Delpy. Para ver sozinho ou acompanhado, num dia de chuva ou de sol, bebendo cerveja ou se empanturrando de azedinhas. Bah! Nota 9.

Dizem que Ritmo de um Sonho, tradução horrenda para Hustle and Flow, é a consagração de Terrence Howard. O cara disputa o Oscar de melhor ator este ano e tal, mas não vi nada de brilhante nele. Um ator correto, seguro de si, com boa presença de cena, chega até a lembrar o Benicio Del Toro. Nada além. E o filme é ele fazendo o papel de Eminem em 8 Mile. Com o Ludacris dando uma de ator - o que já me provoca um desarranjo maiúsculo. Não adianta: rap não dá mais.Nota 6,5.

No fone: The Rakes - "Strasbourg"

2/10/2006

E o Last Days, hein?

Quer saber como forjar um clássico absoluto do rock? Então tens que ver a belezoca que ganhei esses dias: Nirvana: Nevermind. Remando contra a maré de picaretagens que apareceram depois que o Cobain morreu (A Tribute to Kurt Cobain, Kurt & Courtney... confesso que esse eu tenho!), esse DVD é um artigo de primeira. Integra a série Classic Albums, da st2, cuja função é dissecar discos antológicos do gênero. E isto ele faz com muita desenvoltura.
O documentário começa a mil, com um apanhado dos primeiros anos desta que foi uma das últimas bandas com algo a dizer à humanidade - e depois mergulha de cabeça naquilo a que realmente se propõe, detalhar a criação de cada uma das faixas da grande obra-prima de 1991. Não dá pra reclamar dos entrevistados: os ex-integrantes Dave Grohl e Krist Novoselic, Butch Vig (que mostra ser um produtor muito, mas muito criativo), o escritor Charles S. Cross (autor do ótimo "Mais Pesado que o Céu"), o editor-chefe da Rolling Stone, David Fricke (que tá mais para "freak"), Thurston Moore (uma das lendas do Sonic Youth) e praticamente toda a galera da Sub Pop Records (Jack Endino, Jonathan Ponneman e Nils Bernstein). Todos lembram com muito entusiasmo o amado Nevermind, como não podia deixar de ser.
São só 48 minutos de filme, mas vários os momentos de lamber os beiços: Vig contando que dobrou o refrão de "Smells Like Teen Spirit" para que ele soasse "forte", a gravação de "Lithium" num estúdio em 90, a primeira apresentação pública de "Teen Spirit" num inferninho repleto de cabeludos loucaços... Pra tudo ficar perfeito, só faltou mesmo o depoimento de algum bambambã, tipo um Neil Young. Em contrapartida, os extras também são reveladores, com destaque para a aparição de Spencer Elden. Quem? Spencer é nada mais nada menos que o recém-nascido da capa ali de cima. "Sou o bebê Nirvana", conta, orgulhoso, o modelo - agora já um adolescente. Mágico. Nota 9,5.

No fone: Nirvana - "Lounge Act"

2/09/2006

Pipocando

Quarteto Fantástico é horrível. A gente chega a dar barrigadas com tanta besteira, tanta piadinha sem graça, tanta canastrice. Ainda se a parte técnica se salvasse, mas não. O longa é um carnaval de planos de câmera mal planejados (boa essa) e os efeitos visuais, de uma tosquice sem tamanho, parecem ter sido descobertos num antigo programa de computador da Universal. Que coisa pavorosa. Esse Tim Story faz de tudo, menos contar uma... er... história. Os melhores momentos são dignos de uma antologia do Saturday Night Live. Me admiro do Stan Lee ter aceitado participar desta joça. Uma indicaçãozinha para o Framboesa de Ouro (pior atriz, Jessica Alba) saiu barato, hein? Agora vamos ver o que vão fazer com o meu querido Motoqueiro Fantasma. Nota 4,5.

A Ilha não é tão amador, pois vai mais longe ao tentar nos convencer de que aquilo a que estamos assistindo não é de uma estupidez imensa. Infelizmente, é. São basicamente 130 minutos em que uma caralhada de anúncios de produtos é despejada aqui e ali (celulares... Nokia!, carros... Toyota!, tênis... Asics!, há um momento em que a borboleta do MSN quase tapa a cara do Ewan McGregor), uma cena de ação espetaculosa é solta lá no meio, e encerrados com um final bem anos 80, quando o mocinho pé-rapado e o bandido-chefão-de-megacorporação saem no braço. Vou voltar para os meus clássicos, que eu ganho mais. Nota 6.

No fone: Os Mutantes - "El Justiciero"

2/08/2006

Berguinha

Se filmes não falados em inglês indicados ao Oscar principal são quase uma lenda, como é que algo tão pesado, intimista e não-hollywoodiano como Gritos e Sussurros (1973), de Ingmar Bergman, pode ter concorrido aos prêmios de melhor filme e diretor?
Vejamos... Hmmm...
...Bem, a Academia pode ter sido atraída por um quarteto de atrizes i-nex-pli-cá-vel. Liv Ulmann, Kari Sylwan, Ingrid Thulin e a melhor delas, Harriet Anderson, mostram que um mesmo longa pode reunir não duas ou três, mas quatro interpretações femininas de cortar o coração.
...Seria então o visual elegantésimo, com figurinos e cenografia a la White Stripes (estourando no vermelho, branco e preto) a ter enfeitiçado os eleitores mais quadrados do planeta? Há uma só cena externa, perto do final - todo o resto é narrado entre quatro paredes. Acreditem, não é nada chato.
...O melhor de tudo, porém, é mesmo a grande história contada por Bergman. Em uma hora e meia de projeção há doses cavalares de dor, sofrimento e amor verdadeiro, fazendo-nos pensar que o dia em que os EUA vão saber fazer isso direitinho está cada vez mais longe.
Tudo se desenrola numa casa de campo. Anna (Kari) é a criada que nutre um amor profundo por Agnes, que tá fodidaça na cama (como tossia, aquela mulher!). As irmãs desta, a fogosa Maria (Liv) e a reprimida Karin (Ingrid) vão lhe fazer companhia em seus momentos finais. Até lá, é uma gritaria desgraçada. A tal Agnes sofre como jamais um personagem sofreu, e a gente não é poupado de coisas agradáveis como vômitos no balde, navalhadas na xexeca e berros lancinantes de dor.
Tão logo encerrada a sessão, os sussurros do título ficam é conosco: "obrigado, Lumière! obrigado!". Nota 9,5.

No fone: R.E.M. - "Everybody Hurts"

2/07/2006

Remake > Original

O porte avantajado, olhos de peixe morto e o nariz quebrado de Robert Mitchum dominam Círculo do Medo (Cape Fear) de cabo a rabo. Perto dele, o pobre do Gregory Peck parece figurante de Maria do Bairro. O engraçado é que o filme, de 1962, embora ainda se mantenha como um clássico do suspense, seria suprimido por uma refilmagem superior (Cabo do Medo, 1991). Como??
1) Martin Scorsese é muito mais diretor que J. Lee Thompson (este só havia feito Os Canhões de Navarone, um ano antes, e depois enterraria a carreira de vez ao se emparceirar com Charles Bronson na década de 80). Cabo do Medo é visceral, assustador, uma sessão inesquecível.
2) Mitchum era ótimo, mas fichinha perto de Robert De Niro, em seu último papel pancadão no cinema. Quando ele surge na tela musculoso, todo tatuado e com os cabelos longos e ensebados, a gente tem certeza de que aquele personagem vai deixar sua marca.
3) Er... Scorsese + De Niro!! Não tem pra ninguém mesmo. Nota 8,5.

No fone: The Killers - "Somebody Told Me"

2/06/2006

Lost (in translation)

Depois dessa saraivada de propagandas da Globo, já deu pra ver que começou o mais do que esperado Lost, né? O episódio piloto, exibido aos pedaços ontem, segue o padrão de qualidade de outros excepcionais seriados dramáticos recentes (Nip/Tuck e A Sete Palmos, eu amo). Muito cedo ainda pra dizer se esse tem um cantinho no meu coração, mas o tal piloto já trouxe algumas coisas que a gente sempre espera do cinema de ação: enredo à frente do espectador, um herói de primeira (Matthew Fox), momentos 'mão-suada' (nas cenas do acidente com o avião parece que a gente tá lá, agonizando junto), piadas na hora certa, diálogos antológicos, explosões que se justificam... E a edição, senhores, não é uma ediçãozinha qualquer: é uma verdadeira MONTAGEM de CINEMA.
Que venham os próximos, dona Globo! Mas, por favor, vê se não mutila eles... Já são dublados, e ainda têm intervalos!! Tenha dó. Nota 8,5.

No fone: Los Hermanos - "Primeiro Andar"

2/03/2006

Twist carpado


Responsável por obras nada fáceis de digerir, como Repulsa ao Sexo e O Bebê de Rosemary, Roman Polanski acrescenta mais um título desses ao seu currículo de 40 anos atrás das câmeras. Desta vez, porém, o "nada fácil de digerir" vem de forma negativa. Achei Oliver Twist um melodrama arrastado (130 minutos!), com emoção quase zero da metade em diante, e que termina não convencendo. Ao meu lado no cinema, tinha um gurizinho sentado no colo da mãe que pedia, de três em três minutos, "vambora? Vamo pra casa?". Dava vontade de pedir pra ir junto... O único hurra! vai para Ben Kingsley, que mais uma vez prova que não é "Sir" à toa. De uns anos pra cá, o narigudo carequinha engatou uma quinta e não olhou pra trás. Que ator maravilhoso. Nota 6.

No fone: The Raconteurs - "Stores Bought Bones"

2/01/2006

Exército de um Homem Só


Eis eu e meu amigão Moa, ontem à tarde! Ao final da entrevista, o homem se virou pra mim, olhou minha camiseta do Taxi Driver e disse: "Mas tu estás bem de cult movies, hein?". Paulo Coelho seria capaz de soltar essa frase?
Foto: Fábio Dutra/Jornal Agora

No fone: Cat Stevens - "On the Road to Find Out"