3/31/2006

Miscelanices

O que mais chama a atenção em Cidade Baixa é sua linguagem. Assim como eu e você, a toda hora os caras soltam um "massa", "podicrê", "do caralho"... e gritam e xingam e se estapeiam com vontade, quando é preciso. É tudo muito naturalista, batendo de frente com a forçação de barra daquelas chanchadas escabrosas dos 70's. Além do mais, Wagner Moura e Lázaro Ramos arrebentam a pau. Fico imaginando esses dois a serviço de um roteiro à altura de seus talentos (hmm... A Máquina, será?). O cinema brasileiro continua pecando justamente nisso: a ausência de bons argumentistas. Não que Cidade... seja ruim ou desinteressante. Tem pegada, e uma vitalidade à flor da pele na atuação, na câmera e na condução, mas é que a gente simplesmente não consegue mergulhar de cabeça numa historinha tão aquém da força de seus protagonistas. O resultado dá de relho na maioria da nova leva de brazucas, mas acaba soando um tanto frio e distanciado pro público. Nota 7,5.

Por mais que as críticas tentem me contrariar, tô longe de ser fã de Batman Begins. Christopher Nolan dá um arranque muito bom, construindo o Morcegão de forma bastante engenhosa e realista (bem verdade que chupando a fórmula do primeiro Aranha) para depois descambar pr'aqueles manjados planos mirabolantes para destruir Gotham City. Minha experiência da telona se repetiu em casa: da seqüência em que entra em cena aquela perseguição com o Batmóvel até bem perto do final, foi bocejo em cima de bocejo. Resumindo, uma fita de ação tanto faz, tanto fez. Pena, porque tava indo bem. Nota 7.

Sou defensor ferrenho de Jim Carrey, e não só como o ator "sério" de Truman, Andy, Majestic e Brilho Eterno. Suas comédias, mesmo as mais chinfrins, sempre me fazem gargalhar (tipo ele saindo do forévis do rinoceronte em Ace Ventura 2 ou aparando as unhas do pé com uma serra de cortar madeira em Debi & Lóide). Mas só me incomodei com As Loucuras de Dick e Jane. Embora o filme não seja nenhum desastre - graças a Carrey, que segura as pontas com a energia habitual - simplesmente não há timing ou senso de direção, as piadas são telegrafadas e o exagero na caricatura faz sucumbir as poucas boas idéias do roteiro. E, cá entre nós, Téa Leoni, que nunca achei a última coca-cola do deserto, tem uma presença simplesmente irritante. Assim fica difícil encontrar o 'fun' que o título original sugere. Nota 5.

Sábado à noite, chega o meu irmão lá em casa, de mochila e tudo:
- Vou dormir aí.
- Beleza, vou te alcançar o colchão.
- Ah, trouxe um filme pra gente ver.
- Xiiii... qual?
- Kung-Fusão.
- Bah, bota logo!!
Nota 9.

Máscara da Ilusão passou zunindo pelas salas de exibição mundo afora para, como um cometa, cair direto em DVD no Brasil. Essa fantasia dark é escrita pelos mestres da HQ Neil Gaiman e Dave McKean, e traz um visual de cair o queixo. As palavras ficam em segundo plano; o que interessa é o borbulhante caldeirão de imagens digitais, que lembra o estilo artesanal de coisas como as primeiras produções de Jean-Pierre Jeunet, Capitão Sky e até o nosso Hoje é Dia de Maria (!). Bem legalzinho. Nota 6,5.

Incrível a versatilidade de Danny Boyle. Tirando os esquálidos A Praia e Por uma Vida Menos Ordinária, o escocês só fez pequenas obras-primas, cada uma com sua proposta: Cova Rasa (crime thriller), Trainspotting (cult junkie), Extermínio (zumbis modernetes) e agora esse Caiu do Céu, uma inusitada e delirante fábula infantil. O início, felizinho que só ele, é daqueles engana-trouxas, com casinhas de telhados branquinhos e guris montando esconderijos com caixas de papelão no meio do mato; mas logo, logo a marca de Boyle entra em ação com santas fumando baseado, panfletários de esquerda dos mais falcatruas, milagres da Bíblia desmascarados... São vários os momentos de brilhantismo. E, para não me deixar mentir, lá vem o versátil diretor com o novo Sunshine, uma ficção-científica estrelada por astronautas (!). Nota 8.

Quando apareceram há uns anos no Fantástico, as irmãs Regina, Indaiá e Maroca comoveram o país. Cegas desde sempre, elas viveram toda sua vida tocando ganzá em troca de esmolas nas cidades e feiras do Nordeste. O documentário A Pessoa é Para o que Nasce acompanhou o trio durante vários anos, em seus afazeres cotidianos e depois como "estrelas de cinema". Lá pelo meio da projeção, uma revelação dá uma guinada bem boa no desenrolar da trama. Porém, depois de se emocionar, de rir e chorar, pode-se perceber que há excessos e umas posições questionáveis, como deixar a câmera ligada focando numa delas, com um telefone ao ouvido, num quarto de hotel. A pobrezinha trata o aparelho como se fosse um equipamento alienígena. No mais, é obra honesta e que faz pensar. Nota 7,5.

Reveladores os extras do DVD duplo de Touro Indomável, que ganhei no Natal e só fui ver agora. Ficamos sabendo que o grande responsável por levar às telas o clássico de 1980 foi mesmo Robert De Niro: comprou os direitos do livro, convenceu Scorsese a esquecer o monumental fracasso de New York, New York, indicou os novatos Joe Pesci e Cathy Moriarty a participarem do elenco... Tanta dedicação não foi à toa. Dentro ou fora dos ringues, De Niro é animalesco. Foda, foda, foda. O Oscar pra ele foi pouco - até porque Gente como a Gente ter levado como melhor filme é uma piada de muito mau gosto. Muito injusto o que a raça humana fez com esse atorzaço, agora acostumado a fazer mais bobagens que criança cagada. E o Scorsese nunca mais filmaria com tanto punch. Raging Bull é brutal de cabo a rabo. Bons tempos... Nota 10.

No fone: Mestre Ambrósio - "Pé de Serra"

3/27/2006

43 hoje...


Mas com um corpinho de 42.

No fone: Mombojó - "Ela Voltou Diferente"

3/21/2006

Semana puxada

Uma semana se passou desde que vi Clean, e a paixão pelo filme permanece intacta. Todos comentaram os dotes dramáticos de Maggie Cheung (melhor atriz em Cannes, a japa realmente domina a cena no papel da drogadita que luta pela guarda do filho), mas quem mais me surpreendeu foi Nick Nolte. Assumindo pela primeira vez um difícil papel de vovô, o cara interpreta com elegância e naturalidade - coisa que não se imagina que possa vir de um astro em franca decadência. Quem sabe ele não assume de vez também uma carreira internacional? Nos EUA, o homem só quer saber de aparecer em foto no cadeião... Nota 8,5.

Cabra-Cega é um filme de 'companheiro' ao estilo Quase Dois Irmãos. Leonardo Medeiros faz bem a lição de casa como um ativista que, na época da ditadura, é baleado e tem de ficar enclausurado num apê enquanto assenta a poeira lá fora. Incomodam um pôster do Che em cena aqui, um livro do Aldous Huxley acolá, mas, a despeito desse copodevinhice todo, é obra forte e honesta. E desta vez o Caco Ciocler ficou de fora - mais um gol da produção. Nota 7.

Ex-jogador de beisebol beberrão aceita treinar um bando de moleques no campeonato local. Mas que merda de plot, hein? Pois então adicione três palavrinhas: Billy, Bob e Thornton, e eis que o resultado de Sujou... Chegaram os Bears não fica dos piores. Além do mais, quem dirige é o Linklater e a trama, embora bobinha, traz um toque politicamente incorreto que é um must (Billy Bob faz uns bicos como dedetizador de ratos, e esvazia os isopores com os bichos mortos pra acomodar o Gatorade da gurizada). Nota 7.

Não se sabe ao certo o que Exílios pretendia analisar: identidade, origens, o papel do mundo... Fato é que o road movie em marcha lenta de Tony Gatliff (como assim, melhor diretor em Cannes?) tem lá suas qualidades (fotografia, eletronices na trilha, aquele plano-seqüência do caminhão partindo das ruínas de cerâmica), mas peca por ser hermético em excesso. Pretensioso, eu diria. Me incomodou a cena final, anti-climática ao extremo (vejam apertando o forward no controle, conselho de amigo). Nota 7.

O "pai de Freddy Krueger" estréia no thriller "sério" com Vôo Noturno. Especialmente nos dois primeiros terços de filme, o veterano Wes Craven mostra que sabe tirar o máximo de suspense em ambientes fechados. Nos últimos minutos a coisa descamba pro vilão imortal (Cillian Murphy apanha mais que os bandidos d'água em Esqueceram de Mim), mas até lá a gente já não tem mais unha. Nota 7,5.

Uma Vida Iluminada tem um visual stáile e é metido a alternativinho, mas no fim das contas machuca tanto quanto um poodle anestesiado. Agora diretor, o eterno coadjuvante Liev Schreiber custa a achar o tom da trama, ora levemente engraçadinha, ora carregadaça de dramaticidade. Não li o livro, mas gosto de pensar que ele é bem superior ao filhote em película. Gostei foi do Frodo - e as musiquinhas são bacanonas. Nota 7.

Traídos pelo Desejo é perfeito, perfeito. Passados 14 anos desde sua estréia (céus... tanto tempo assim?), esse que é um dos meus cults favoritos mantém um frescor que Neil Jordan jamais teve a (sorte? culhão? capacidade?) chance de reproduzir em sua filmografia. Curioso que, após meses de uma campanha de marketing exemplar (nenhum jornalista podia comentar o roteiro com detalhes) a Academia acabou entregando à época a grande surpresa do filme, ao indicar Jaye Davidson como ator coadjuvante. Mas que foi "o" twist, ah, isso foi. E quem presenciou jamais iria pensar que a gloriosa Dil abriria mão da atuação para virar assistente de design de moda em Londres. Mundinho trouxa esse. Nota 10.

Uma das obras máximas do responsável pelo "melhor filme de todos os tempos", A Dama de Shangai mostra um Orson Welles carismático e contracenando com sua então patroa, a gostosérrima Rita Hayworth. Robert Rodriguez e Frank Miller dariam um dedo pra conseguir reproduzir o clima noir da fita, em que um aventureiro irlandês (Welles, com sotaque francamente ridículo) mergulha numa trama labiríntica envolvendo loiras fatais, assassinatos misteriosos, muita luz e sombra e tudo o mais que se encontra num catálogo de film noir. Muito bom, mas prefiro mil vezes A Marca da Maldade. Esse a gente pode chamar de obra-prima. Nota 8.

No fone: Super Furry Animals - "Zoom!"

3/14/2006

Devedezada

Deus abençoe o DVD. Refúgio de muitos grandes filmes (Donnie Darko, Shaun of the Dead, Narc) que não conseguem se encaixar no meio desse bombardeio semanal de enlatados holywoodianos, as locadoras agora podem ser adotadas como um festival caseiro de cinema alternativo. É só passar o dedo na camada de pó e dar uns petelecos nos mosquitos mortos que encontra-se muitas atrações de dar inveja ao hype do momento. A mais recente delas é o filmaço australiano A Proposta, recém-lançado pela pobretona Califórnia Filmes.
Reduzi-lo à condição de faroeste é covardia. Mesmo quem chineleia o gênero (confesso que não é dos meus preferidos) vai se achar aqui. Tudo bem que ele se desenrola naquelas paisagens áridas de 1800 e pico e todo mundo tem chapéu, cavalo, arma na mão e dente amarelo, só que o que vale aqui é a questão humana da coisa. Segue sinopse: parte da gangue dos irmãos Burns é capturada pelo capitão Stanley (o excepcional Ray Winstone). Este resolve fazer a tal proposta do título a Charlie (Guy Pearce, os olhos mais expressivos do filme): que traga a cabeça do primogênito refugiado, o mais perigoso deles, em troca da vida do caçula mantido como refém. O roteiro, escrito pelo roqueiro Nick Cave, equilibra momentos contemplativos com outros de violência extrema, além de distribuir papéis majestosos a torto e a direito. Junto a Pearce e Winstone, o homem-elefante Jonh Hurt também marca boa presença - e até Danny Huston, que costumo achar insuportável (né, RADS?) tá bem aceitável em cena, ameaçador e tals. O destaque maior, porém, vai para a minha querida Emily Watson. O que ela consegue fazer com o micropapel de esposa sofredora não é brinquedo, não. Toda aquela seqüência final é de chorar, meus guris.
Ponto negativo, apenas, para a versão fullscreen adotada pela distribuidora. Mas não dá pra reclamar muito. Deus abençoe o DVD. Nota 8,5.

Achei que o estouro da Pixar ia provocar a extinção quase total de tesouros artesanais como Wallace & Gromit. Esse Nick Park é foderoso mesmo. O homem simplesmente levou o seu quarto Oscar para casa este ano! Pelo visto, todos merecidíssimos. A gente se mija rindo com tantas piadas boas, tanta inventividade. Queremos massinhas! Nota 8,5.

Quem agüentar os primeiros dez minutos de A Feiticeira pode seguir vendo na boa. Porque o filme é aquilo ali mesmo: assumidamente boboca, com muito overacting (Will Ferrell solto, solto), uns efeitos interessantes aqui e ali, uma trilha óbvia (conseguiram assassinar "Everybody Hurts", do R.E.M., numa cena "dramática") e muita piada chulé. Mesmo com o desastre de bilheteria, não demora muito e eles já devem inventar uma nova versão de Jeannie é um Gênio. Eu tô fora. Nota 5,5.

No fone: Yeah Yeah Yeahs - "Y Control"

3/10/2006

Nobody's perfect!


No fone: Weezer - "The Other Way"

3/09/2006

Inócuo

Estranha a sensação que tive durante a sessão de Em Boa Companhia. Ao mesmo tempo em que questiona o mundo corporativo em que vivemos, aquele em que tubarões se comem uns aos outros e "ninguém é insubstituível", o filme estampa na tela de cabo a rabo um Porsche aqui, um Mastercard ali, um Nokia acolá. Os atores são aquilo que a gente espera duma dessas comediazinhas de escritório. Ótimo o Dennis Quaid num papel a la James Stewart, e o chato do Topher Grace desta vez me surpreendeu positivamente. Até que ambos formam uma dupla legal - mas se tem uma coisa que me deixou preocupado foi a Scarlett. Fraquinha, fraquinha. E aquele final coalhado de tinta cor-de-rosa tá entalado até agora na garganta. Vou ali tomar um café. Nota 6.

No fone: Trash Pour 4 - "Take on Me"

3/08/2006

Zombie rules!

Um faroeste ultraviolento em ritmo de punk rock. É o que diz a capinha do DVD de Rejeitados pelo Diabo, um terrorzão sujo, cabeludo e tatuado à imagem e semelhança de seu diretor, Rob Zombie. Opa, peraí, o meu "sujo" não se refere a fedor e manchas de cascão, e sim ao estilo despojado que a gente tanto ama e que faz questão de entregar cenas envolvendo xexecas, muitos palavrões e litros e litros de sangue. Cá entre nós, um filme de horror TEM que ser sujo. Não fosse isso, The Devil's Rejects nos privaria de ver cenas horripilantes como essa aí de cima. E quem não dava nada por Zombie (como eu, que nunca achei o White Zombie grande coisa) tem de se curvar ao rapaz. O cara é um ótimo diretor de cinema, e presenteia a nós, amantes da podreira, com uma nostalgia de emocionar. Nos deixam loucos as presenças de Ken Foree (do Dia dos Mortos original), Michael Berryman (aquele careca horrendo de Quadrilha de Sádicos), Leslie Easterbrook (a Tenente Debbie dos Loucademia de Polícia), Mary Woronov (estrela do fantástico Ano 2000: Corrida da Morte), Gynger Lynn (musaça pornô dos anos 80), Geoffrey Lewis (amigão de Clint Eastwood e do macaco Clyde) e os impagáveis Sid Haig (ex-ator de antigos seriados como Star Trek, Mulher Maravilha, O Fugitivo e o do McGyver, e homenageado por Tarantino em Jackie Brown e Kill Bill), Danny Trejo (campeão mundial de Conheço-Não-Sei-de-Onde) e Bill Moseley (O Massacre da Serra Elétrica 2). E o título de trilha sonora do ano já tem dono.
É... a capinha tinha razão. Fodão tu, hein, Zombie? Nota 8.

No fone: Lynyrd Skynyrd - "Freebird"

8 de março



Congratulações!

No fone: John Lennon - "Woman"

3/07/2006

"Baseados em fatos reais"

Quer ver como é ruim esse Crash? Um bom termômetro é Hotel Ruanda, estrelado pelo mesmo Don Cheadle do grande vencedor do Oscar domingo, e tendo como mote principal (guardadas as devidas proporções) o racismo. O roteirista Terry George mostra atrás das câmeras muita sensibilidade, coesão, verossimilhança. Humanismo. É isso o que falta a Crash e ao "diretor" Paul Haggis, que acham que barulho e gritaria mudam alguma coisa nas nossas vidas. Nota 8.

Não vi todas essas cinebiografias do malfadado Oscar 2006, mas se cada uma tiver um décimo que seja da qualidade de Amadeus (1984) já vou me dar por satisfeito.
Sempre vi esse Milos Forman, mesmo com seus dois Oscar no bolso, como um cineasta muito do subestimado. Mostrando aqui uma das decisões mais subversivamente inteligentes do cinema, o tcheco optou por concentrar as atenções justamente no arquirival de Mozart, pegando a todos na rebarba. Praticamente todas as cenas são ilustradas por peças do compositor, numa aula de como se trabalhar a trilha sonora de um longa-metragem. O resultado é magnífico e leva à reflexão: será que Taylor Hackford sempre escutou os CDs do Ray Charles por livre e espontânea vontade? E Ron Howard, passava suas noites de sábado juvenis vendo lutas de boxe na TV? É isso o que diferencia um diretor de cinema de um mero peão-de-obras: a paixão pela arte. Isso o Forman tem de sobra.
Ah, e olha só o novo projeto do véio: Goya's Ghosts, com uma duplinha de arrepiar: Javier Bardem e Natalie Portman. Vai pro trono ou não vai? Nota 9.



Falando em injustiças... Nota 10.

No fone: The Clash - "Rudie Cant' Fail"

3/06/2006

Vai que é tua!


...Não foi de todo ruim, gente.

No fone: The Arcade Fire - "Neighbourhood # 1 (Tunnels)"

Zumbis e... Ryan Phillipe?

Como fazer um filme bacanão de mortos-vivos? Dá pra acrescentar alguma coisa nova a um subgênero tão batido e preso às suas próprias limitações? Com a palavra, o criador do gênero: George A. Romero.
O velhinho que deu ao mundo A Noite dos Mortos-Vivos (1968) já devia estar se sentindo um zumbi ele próprio; há anos sem filmar, assistiu de camarote ao sucesso dos excepcionais Extermínio, Madrugada dos Mortos e Shaun of the Dead, e sentiu que tava mais do que na hora de voltar à cadeira de diretor. A galerinha do shopping deve achar os três citados acima mais energéticos, mais modernos que Terra dos Mortos. Em suma, melhores. E realmente são, mas é preciso se ligar também que eles não existiriam se não fosse por Romero. Land of the Dead é autêntico, sujo, quase ausente de humor e com um desenho de produção escuro, no maior astral de Fuga de Nova York, do Carpenter.
Não atinge o status de clássico ou de obra essencial, mas faz bonito numa programação recheada dessas bestices de Chamados e Pânicos na Floresta. Nota 7,5.

Difícil dizer qual o título mais malicioso, O Terceiro Olho ou o original The I Inside. Longe de ser espetacular, e seguindo o manual "quebra-cabeças-e-daí?" seguido à risca por Efeito Borboleta e Identidade, já dá pra prever o sucesso que esse suspense meia-boca vai fazer nas locadoras e nas aulas de Psicologia da Católica. Nota 6.

No fone: Supergrass - "St. Petersburg"

3/02/2006

2 x Will Ferrell

Quem acompanha a carreira de Woody Allen sabe que dele se pode esperar filmes "engraçados" (A Rosa Púrpura do Cairo, Zelig) ou "tristes" (Maridos e Esposas, Crimes e Pecados). E seu penúltimo rebento, Melinda & Melinda, é drama ou comédia? Como nunca antes em sua carreira, Allen luta para equilibrar os dois gêneros - ao final da batalha, a impressão que fica é que foi o humor que levantou o caneco. A premissa é genial mas a realização final deixa a desejar, com vários momentos monótonos. Com certeza o cineasta não será lembrado por este, mas qualquer Woody é sempre bem-vindo. Nota 7.

Penetras Bons de Bico tem lá seus momentos gargalhantes, mas jamais justifica a bilheteria arrasadora que fez nos EUA (mais de R$ 200 milhões!). Depois do tropeção que foi Psicose, Vince Vaughn revelou que seu forte é mesmo o humor. O cara é hilariante, e forma um par irresistível com o ultrablasé Owen Wilson. De sutil o filme não tem absolutamente nada (ainda mais quando o inenarrável Will Ferrell reforça o elenco), seguindo a linha de comedinhas bestalhonas ao estilo Entrando numa Fria. Nota 7.

No fone: The Thrills - "You Can't Fool Old Friends with Limousines"

3/01/2006

Cara ou coroa


"Às vezes são as coisas estranhas que grudam na memória", diz, uma hora, um dos personagens de Contra Corrente (Undertow). E não é que o drama indie do jovem cineasta americano David Gordon Green é bem isso? No meio de um banquete de imagens estranhóides, há espaço para recursos inusitados como repetição de planos, congelamento de imagem e cenas em negativo - tudo a serviço de um texto que brinca com metáforas e clichês, sem se deixar ser engolido por eles. O personagens são todos bizarros, com destaque prum gurizinho que tá sempre disposto a coisas como comer tinta, classificar os livros pelo cheiro ou enfiar o dedo no pé furado do irmão. Lembrou o argentino O Pântano, que também mexia com três sentidos pouco explorados pelo cinemão: o paladar, o tato e o olfato. Bem maluquete. Nota 8.

Em contrapartida a toda essa esperteza temos o bem monguinha A Luta pela Esperança. Assim como nos ringues, na Sétima Arte o boxe também pode ser dividido em categorias: ele costuma render obras-primas (Touro Indomável, Menina de Ouro), dramas de primeira (Rocky, um Lutador) ou ingenuidades acadêmicas (Homeboy, Ali, Hurricane). A esta última classe pertence este Cinderella Man. A equipe toda do filme parece gritar "olha o Oscar, né gente!", buscando seguir o ranço limpinho e calculista de engodos como Seabiscuit e Chocolate. Não seria melhor esse tal Ron Howard continuar com aquelas fantasias de Sessão da Tarde que ele fazia tão bem (Coocon, Splash)? Hoje ele acha que faz arte, o pobrezinho. Nota 6,5.

No fone: Orquestra Imperial - "Sr. Sabe Tudo"